segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A lei contra homofobia ou sobre como o brasileiro adora criar um mundo no papel

"The more corrupt a society, the more numerous its laws"
Edward Abbey

     Antes de tudo, vou começar com um disclaimer: não tenho nada contra homossexuais, sou a favor do casamento gay e da adoção de crianças por homossexuais. Isso porque (no melhor estilo Douglas Adams vou cortar todo o suspense e dizer exatamente o que eu vou escrever), neste texto, vou me posicionar contra o Projeto de Lei 122/2006, que ficou conhecido como a Lei Contra a Homofobia.
     O que se pode pensar, erroneamente, é que quem é contra uma lei para “criminalizar” a homofobia, necessariamente, é a favor do preconceito, o que, obviamente, não é verdade.  Por isso, coloquei o disclaimer ali em cima prevendo que alguém vai me acusar de homofobia. Enfim, que venham, espero que pelo menos leiam o texto antes de falar qualquer coisa.


     É hábito no Brasil que a cada episódio que cause comoção nacional, apareça algum parlamentar aproveitador com uma lei específica sobre aquele assunto, ou um abaixo-assinado na internet. Foi assim com a Lei dos Crimes Hediondos. E, provavelmente, vocês já viram e até assinaram alguma petição para uma lei contra maus tratos a animais. Com a homofobia não é diferente: a partir do momento em que os crimes contra gays por estes serem gays começaram a surgir na imprensa, apareceu o PL 122/2006, de autoria da senadora Marta Suplicy. Exatamente, a mesma Marta Suplicy que tentou tirar vantagem de uma suposta homossexualidade de Gilberto Kassab (obviamente como uma coisa ruim) quando os dois concorreram pela prefeitura de São Paulo.

"Sabe se ele é casado? Tem filhos?" - propaganda política de Marta Suplicy, sobre Gilberto Kassab

      Não pretendo aqui usar o argumento raso de que há um lobby gay para criar uma casta especial de cidadãos ou que os homicídios de homossexuais representam uma fatia ínfima do geral de assassinatos no país e que, portanto, essa lei é desnecessária. Nenhuma morte deve ser considerada indigna de atenção. O sofrimento de apenas um cidadão já deveria ser o suficiente para mobilizar o Estado. Vou escrever contra essa lei porque ela não muda nada na maior parte de suas disposições e, onde muda, assim o faz de maneira ruim.

Crimes de opinião

     O principal problema com a lei da homofobia é que muitas pessoas não conhecem o texto da lei. Alguns acham que, a partir da entrada em vigor do documento, qualquer pastor que fale que gays são imorais na televisão de madrugada vai acabar sendo processado por “homofobia”. Detesto colocar água no chope, mas não só não existe nenhum artigo na lei contra a homofobia como manifestação de idéia genérica ou como ofensa à moral de um grupo, como há outro artigo para, justamente, evitar que esses atos sejam criminalizados:

Art. 3º O disposto nesta Lei não se aplica à manifestação pacífica de pensamento decorrente da fé e da moral fundada na liberdade de consciência, de crença e de religião de que trata o inciso VI do art. 5º da Constituição Federal.

"Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte teu direito de dizê-las" - Voltaire

     E nisso tenho que dar o braço a torcer, a lei acerta. “Olha aí, não falei que ele era preconceituoso e odiava gays?”. Não é bem assim. Eu acho uma idiotice falar que os gays são imorais, sujos, responsáveis por terremotos na Malásia e culpados dos males do mundo. No entanto, também acho que não cabe à Justiça punir esse tipo de manifestação. A sociedade deve se organizar e boicotar o canal em que tal declaração foi dada, transformar o autor da declaração ofensiva em um pária social, forçar a sua demissão por pressão etc. Se começarmos a processar pessoas por crimes de opinião, estaremos abrindo um precedente perigoso. Nas palavras de um de meus ídolos, Thomas Jefferson, “Eu prefiro as inconveniências decorrentes do excesso de liberdade às decorrentes de um grau muito pequeno dela”. Ou seja, desde que não incentivem o crime ou ofendam alguém diretamente, qualquer um pode falar qualquer coisa, em minha opinião. Não que a pessoa possa falar qualquer coisa impunemente, é só que a punição não será dada por um juiz, mas pela sociedade.

Eu discordo. Mas eu respeito seu direito de ser estúpido.

O que a lei realmente contém 

      O projeto contempla mudanças em alguns tipos penais (que são os artigos, aquelas ordens contidas na lei dizendo o que você não deve fazer e que são seguidos das penas) e a criação de alguns outros.  A maioria das alterações sequer muda realmente alguma coisa, como veremos.
     Primeiramente, o projeto propõe a criação de crimes que podem existir na atuação profissional, como a não contratação de uma pessoa em razão da opção sexual, a discriminação de funcionários homossexuais e esse tipo de coisa. A pena é de 1 a 3 anos de reclusão. Uma pessoa condenada a 3 anos de reclusão nunca vai acabar na cadeia, no máximo, pagará uma multa e prestará serviços comunitários. O direito civil, com uma ação de danos morais, e o direito do trabalho cuidariam desse caso de maneira muito melhor e, acreditem, punitiva. É assim que acontece nos EUA, por exemplo. E, aliás, convenhamos, num país em que o homicídio culposo (matar alguém por imperícia, imprudência ou negligência) tem pena de detenção de um a três anos, nem poderíamos querer que a pena de homofobia fosse maior. Em outras palavras, se eu decidir dirigir um trator sem ter habilitação e atropelar e matar uma pessoa, eu sofro uma pena menor que se eu não contratar uma pessoa por causa da orientação sexual dela, caso a lei seja aprovada. Os dois fatos são errados e reprováveis, mas, sejamos sinceros, matar alguém, acidentalmente ou não, é muito mais grave.

O cerne da questão

      De mesmo modo, foi criado um tipo que criminaliza quem, por motivo de preconceito quanto à orientação sexual, impede alguém de ingressar em repartição pública ou de ter acesso a serviços públicos. Novamente, a pena é de 1 a 3 anos. Mais uma vez, um caso que seria muito melhor conduzido pelo direito civil e, nesse caso, pelo direito administrativo, que seria responsável por punir o funcionário público perpetrador do ato.
     Eu não estou levanto em conta, ainda por cima, que uma pessoa vítima de qualquer uma das situações acima descritas pode denunciar os agentes por outros crimes como, por exemplo, injúria, difamação, constrangimento ilegal ou ameaça. Ou seja, as leis são completamente desnecessárias.
     Mais adiante, no texto do projeto, aparece o seguinte artigo:

Art. 7º Induzir alguém à prática de violência de qualquer natureza, motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero:
Pena – reclusão, de um a três anos.”


     Lindo, certo? Até seria, se já não existisse um outro artigo no Código Penal (que é de 1940, notem) com exatamente o mesmo conteúdo, apenas mais abrangente. Aí vai o artigo, para comparação: 

Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime:
Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.”

      Os dois artigos podem punir exatamente o mesmo ato. Agora quero saber como você escolheria, se fosse juiz, qual dos dois artigos vai aplicar em um caso desses? Talvez devessem simplesmente aumentar a pena do artigo 286 do código penal e pronto. Por sinal, não se pode nem dizer que os legisladores “esqueceram” que o Código Penal já tratava do assunto (como se isso fosse desculpa), porque, se o projeto for aprovado, será incluído um parágrafo único no artigo 286 prevendo o aumento da pena em um terço quando “a incitação for motivada por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero”. Ou seja, aparentemente, o legislador quer que se apliquem as duas leis para o mesmo fato. O que, evidentemente, é ridiculamente ilegal. Isso é conhecido no direito como bis in idem.
    Outra alteração é no artigo 121 do código penal, que tipifica o homicídio. O projeto adiciona a qualificadora (um dispositivo para aumentar a pena) de preconceito contra orientação sexual e de gênero. A questão é que o homicídio cometido por motivo fútil e por motivo torpe já é considerado qualificado, tornando a adição completamente inútil. Ou matar alguém por conta da opção sexual da vítima não é um assassinato por motivo torpe e fútil?

Marcha do Orgulho Hetero

     O projeto segue em frente fazendo adições nas leis de injúria, difamação e lesão corporal. Todas elas são completamente desnecessárias; seria muito melhor se o legislador simplesmente aumentasse a pena desses crimes. É claro que bater em alguém por essa pessoa ser homossexual é horrível. Mas é moralmente melhor bater em alguém por torcer pelo Palmeiras? Injuriar ou difamar alguém pela opção sexual é pior que injuriar ou difamar alguém porque a pessoa é gorda ou baixa demais? Em minha opinião, não. O problema não são os motivos que levaram à agressão e sim a agressão em si, embora a homofobia deva ser combatida, todas as razões que levam a uma agressão não provocada devem ser combatidas igualmente.
     Enfim, espero ter deixado claro o quanto a lei contra a homofobia é, no mínimo, inútil. É mais um monte de papel oficial em um país que parece ter fixação em se arrumar na base da canetada. É lógico que a homofobia tem que acabar, mas não é dessa maneira ignóbil que teremos sucesso. O problema não é a falta de uma legislação específica sobre o assunto. Como vimos, várias leis podem ser usadas para proteger qualquer pessoa que se sinta ameaçada em razão de sua opção sexual.

Odeio gente homofóbica. Muito. Mesmo.

     A grande questão, na verdade, é que ninguém no Brasil é punido por nada. O ex-deputado estadual aqui do Paraná que, bêbado e em excesso de velocidade, causou um acidente de trânsito que resultou em duas mortes vai, por exemplo, pegar, no máximo 40 anos de prisão, vinte anos para cada homicídio. Claro, se contarmos que ele será condenado à pena máxima, fato raro no Brasil – se chegar a tanto, porque é quase certo o reconhecimento de um concurso formal de crimes. É mais fácil que ele seja condenado a 7 anos, em razão de aspectos técnicos, isso em regime semiaberto. Uma vida, em nosso país, vale, em média, seis anos de privação de liberdade (nos EUA, é prisão perpétua ou pena de morte). Isso mostra que o nosso problema não é falta de lei, é falta de punição, falta de aplicação da lei, ainda que ela não seja das mais severas ou das melhores. Não adianta querermos construir um país melhor somente no papel; a realidade pouco se importa com o delírio dos nossos legisladores. Mais do que punir transgressores, parece que o objetivo da nova lei é agradar (não sem um possível interesse eleitoreiro) uma parcela da sociedade que é capaz de gerar impacto politicamente na opinião pública. Ao cabo, fica a pergunta: quem acredita que essa nova lei vai resolver algum problema? Criminosos bárbaros vão continuar a responder processos em liberdade; condenados vão ficar anos a fio aguardando a apreciação de recursos pelos tribunais superiores como se nada tivesse acontecido; injúrias, difamações, lesões corporais e outros crimes continuarão a ser punidos com cestas básicas e fantasiosas prestações de serviços à comunidade, que quase ninguém fiscaliza... Alguém acha que vai ser diferente? Façam suas apostas!

sábado, 3 de dezembro de 2011

A invasão da reitoria: detalhes

     Há cerca de um mês, na noite de 27 de outubro, três alunos (o uso do termo estudante exige provas) da USP foram detidos pela PM no interior do campus que abriga a FFLCH (faculdade de filosofia, letras e ciências humanas), reduto esquerdista na dita universidade, por fumar maconha. Detalhe: foram detidos porque portar maconha em pequenas quantidades é um crime (art. 28, da Lei nº 11.343/2006). Eles iriam à delegacia, assinariam um termo circunstanciado e iria ficar tudo por isso mesmo – afinal, quem vai para a cadeia por causa de drogas é, em regra, traficante favelado, não usuário filhinho de papai que estuda na USP. No entanto, aos revolucionários uspianos, pareceu um ato de extremo autoritarismo a polícia cumprir o que manda a lei. Usaram isso como estopim para enfrentamentos com a polícia, invasão do prédio da faculdade, invasão do prédio da reitoria e, pasmem, suspensão das eleições do DCE (?). 

Essa vai pro Feice: "Eu fazeno a revolussaum!".

     O meu desejo com este texto não é realizar um estudo aprofundado expondo tudo o que eu penso sobre o ocorrido, nem destrinchar e rebater todos os argumentos dos grevistas(?)/piqueteiros/estudantes(?). Até porque, existem ótimos artigos circulando na internet sobre o caso, até de gente com mais autoridade que eu sobre o assunto (deixo alguns links no final do post).
     A minha idéia é muito mais trazer um conjunto de imagens e detalhes do que aconteceu desde a balbúrdia inicial até agora, no aniversário de um mês do fato. Pretendo, portanto, apenas como um observador externo, compartilhar com os leitores alguns detalhes que me chamaram atenção nessa história toda.

Democracia na USP

     A principal queixa dos estudantes com relação à atuação da “grande mídia” é que a imprensa transformou o “movimento” em uma simples revolta contra a punição de alunos flagrados consumindo drogas. Os protestantes alegam que este não é o tema principal, dizem que o fato foi um gatilho para uma revolta contra, principalmente:

1-A presença da PM no campus, que estaria sendo usada como uma força de repressão ideológica pelo reitor João Grandino Rodas;

2-A falta de democracia na escolha do reitor e, portanto, a ilegitimidade da atual gestão para administrar a universidade.

Intelequituais de esquerda demonstrando tudo o que aprenderam na universidadepúblicagratuitaedequalidade. 

     Pode até ser que essas sejam as reivindicações verdadeiras, mas que ficou parecendo que tudo foi por causa da maconha, não há dúvida. E isso não é culpa da mídia golpista e reacionária, é culpa dos próprios líderes, se é que o tal movimento tem líderes, que assim fizeram parecer. Além do mais, verdade seja dita, a imprensa tem sido bastante conivente com os revoltosos, já que sempre, em todas as reportagens que eu vi e li, sempre se fez questão de deixar claro que o acontecido se deu também em razão de os alunos serem contrários a presença da PM no campus e tudo mais.
     Todavia, por amor ao debate, suponhamos que seja claro que o movimento não aconteceu só para defender os três supostos criminosos pegos em flagrante. Aceitemos que a revolución tenha toda esta carga. Eles estão certos então? Obviamente, não.
     Abordemos a primeira questão. O convênio PM-USP (que infelizmente eu não localizei para ler), segundo o articulista Flávio Morgenstern, prevê a alocação de mais 16 (dezesseis) homens no campus. Ou seja, a força fascista para controlar os milhares de alunos das revolucionárias faculdades de humanas da USP é a esmagadora legião de 16 policiais militares. Não parece exatamente uma força de repressão, certo?
     Entretanto, os revolucionários afirmam que estão atualmente sofrendo a tal opressão a mando do reitor. Agora, cada vez que eu ouço ou leio isso, não consigo deixar de pensar na ridícula cena de o reitor da universidade tentando dar ordens para reprimir este ou aquele aluno a um comandante da PM, sobre o qual ele não tem nenhuma ascendência. De mais a mais, não me lembro de ter lido nenhuma vez na imprensa, antes e depois da revolta da maconha, um episódio em que policiais tenham entrado em uma sala de aula e pegado o professor pelo colarinho porque ele estava discutindo Foucault. O mesmo não pode ser dito sobre os militantes. Aliás, suspeito que os outros alunos de outras orientações ideológicas poderiam exigir com muito mais razão a retirada de militantes esquerdopatas do campus, pois, esses sim, fazem repressão ideológica (real, não imaginária).
     Além de tudo isso, pensemos na alternativa à PM no campus. Os dissidentes propõem que se amplie a guarda universitária. Ou seja, propõem segurança privada no campus. Oras, não é exatamente esse o pessoal que é utilizador do lema “hay privatización, soy contra”? Por que eles querem privatizar justamente esse setor da faculdade? E mais, se eles temem o uso das forças de segurança da faculdade pelo reitor, não seria muito mais fácil para o Rodas utilizar-se de uma força sobre a qual ele tem, efetivamente, algum comando? Sinceramente, não entendo.

Assembléia do DCE da Universidade de Oxford discutindo a invasão da reitoria por conta das medidas autoritárias do reitor, como o corte da verba do chá.

     Com relação às eleições para reitor, é até enfadonho ter de explicar o óbvio. Uma democracia não se resume apenas a uma eleição; quem pensa isso não sabe nada de teoria política e acha o Hugo Chávez um grande democrata. A democracia importa, acima de tudo, em obedecer às regras do jogo, não tentar mudá-las no meio do caminho. Sendo assim, se pensarmos que a nomeação do reitor obedeceu a todos os ritos legais que tinham de ser obedecidos, há total legitimidade na administração da universidade. Ou alguém realmente acha que um juiz ou um promotor não tem legitimidade para agir porque ninguém votou neles? Ademais, nas maiores universidades do mundo, como Harvard, Cambridge e Oxford (e eu fui pesquisar!), o aluno não vota em reitor. O aluno nem chega perto dessa decisão. Só no Brasil decidiram inventar essa estória. Mas, evidentemente, nossos alunos são muito mais evoluídos e iluminados que os dessas faculdadezinhas aí, de onde saiu quem? Um Newtowzinho qualquer? Metade dos prêmios Nobel do mundo?

"Democracia"

     Observem a foto abaixo, tirada do ônibus em que os alunos ficaram detidos aguardando para prestar depoimento após a “desinvasão” (já que aquilo ocupação não foi): 

"But if you go carrying pictures of chairman Mao
You ain't going to make it with anyone anyhow"

     Essa imagem me chamou a atenção justamente por um detalhe que parece menor. A foto colocada no pára-brisa do veículo sobre a qual está escrita a mensagem “Somos prisioneiros políticos”. Sabem quem é o senhor asiático de olhar sereno voltado para o horizonte? Mao Tsé-Tung – e ainda falam em eleição democrática para escolher o Reitor (!). Para quem não sabe, Mao Tsé-Tung foi o maior genocida da história da humanidade, um sujeito que, sem desmerecer o imenso sofrimento do povo judeu, faz Hitler e Mussolini, JUNTOS, parecerem crianças levadas. Segundo os cálculos do Livro Negro do Comunismo, o total de mortos do regime comunista chinês chega a 65 milhões. Desses, pode se atribuir no mínimo 40 milhões ao período que o Mao dirigia ele mesmo o país. Embora alguns autores menos modestos falem em 70 milhões só nas costas do nosso amigo, chairman Mao. Para se ter idéia, nas estimativas mais ousadas, Hitler teria sido o responsável por cerca de 20 milhões de mortes no holocausto, e isso contando a participação do Joseph “Super Mario” Stálin para a captura da Polônia, onde foi construído Auschwitz. É claro que não se trata aqui de fazer uma competição de quem é pior pelo número de mortes. Os quatro ditadores já citados são facínoras da pior espécie, assim como Pol Pot, Pinochet e Fidel Castro ou o celebrado Che – tão caro a quem não conhece sua verdadeira história. O problema é que se no vidro do ônibus houvesse uma foto de Goebels, esses “estudantes” seriam hoje a escória da nossa sociedade. Por que com a foto do Mao deveria ser diferente?
     A foto também é interessante como uma perspectiva do que realmente pensam os participantes da invasão. A China, todos sabem, é uma ditadura, e uma ditadura que na época de Mao era bem pior do que é hoje. Ainda por cima, a China é um dos países campeões em violações de direitos humanos e má distribuição de renda (como só uma ditadura consegue fazer). Por que, então, essas pessoas que idolatram um maníaco de marca maior falam de democracia com a boca cheia? Quem são eles para dizer o que é e o que não é democrático? De duas uma, ou essa gente é muito mal informada sobre os próprios ídolos ou muito mal informada sobre democracia. Pior ainda, talvez sejam é mal intencionados mesmo, isso sim.

Os tempos áureos da ditadura

     Vejam o vídeo abaixo, em que uma garota, dizendo-se jornalista, tenta passar por uma passarela que dá acesso ao campus que estava sendo “desinvadido” naquele momento:

Vergonha alheia.

     Vou me abster de fazer comentários extensos sobre o vídeo, só quero que vocês notem duas coisas:

1- O uso inapropriado (ou não?) da expressão “nos tempos áureos”. O ideal seria que ela usasse “nos tempos sombrios” ou algo assim. “Áureo” vem do latim aurum, que significa ouro. Você usa tal expressão, portanto, quando vê algo como positivo. Eu, certamente, não vejo a ditadura militar como positiva. Talvez ela tenha usado a expressão de maneira incauta, sem saber seu significado. Já os mais maldosos diriam que ela assim falou porque realmente sente saudades da ditadura, quando os ultra esquerdistas podiam se dizer revolucionários com causas melhores que defender três supostos marginais ( no sentido de “à margem da lei”, porque usuários de droga proibida)

2- A insistência da “repórter” em dizer que os policias a estavam filmando por estarem “fichando” as pessoas. Agora eu imagino um porão escuro, com um delegado gordo, de bigode, fumando um charuto e usando uma camisa branca suada, vendo as imagens e colocando todos os rostos que conseguir em um arquivo chamado “elementos subversivos perigosos”. Risível. – Já que nenhum policial teve a bondade de explicar para a mocinha o porquê da câmera, faço-o eu: descobriu-se que, quando se filmam ações policiais, o número de abuso por parte destes diminui (oh, que surpresa!). Portanto, ações policiais são filmadas para a própria segurança da população e para que no futuro, na ocorrência de reclamações de abuso, não precise ocorrer um embate única e exclusivamente entre a palavra do policial e da suposta vítima. 

O "exagero" da polícia

     Conversei com alguns amigos meus sobre o incidente e alguns deles usaram o seguinte argumento: “concordo que os uspianos estavam errados, mas colocar 400 policiais, helicóptero, cavalo e tropa de choque foi um pouco de exagero também”. Pode parecer assim e, de fato, os números são impressionantes mesmo.
     É claro que, se fôssemos pensar de maneira estrita, para desalojar 75 indivíduos de algum lugar, 100 policiais bem treinados estão aptos para a tarefa. O problema é que, na verdade, já começamos com a premissa errada: não havia apenas 75 pessoas lá. Dentro do prédio da reitoria sim, havia cerca de 75 alunos. Não obstante, esquecemo-nos que, assim que correu a notícia entre outros participantes do movimento de que estava havendo a ação policial, o prédio foi cercado de mais “estudantes”. Se a operação contasse com apenas 100 homens para invadir o prédio, eles certamente seriam encurralados, como num movimento de pinça, e seriam incapazes de cumprir a ordem judicial. Em outras palavras, era necessário um cordão de isolamento do prédio a ser desocupado, de forma que isso justifica boa parte do efetivo utilizado e o uso da cavalaria, perfeita para controlar situações envolvendo multidões.

Demonstração do caráter pacifista do movimento em obra na parede do prédio ocupado, mostrando que só pode ter sido armação da polícia os coquetéis Molotov encontrados.

     Ainda assim, alguém deve estar pensando, 400 homens ainda é demais, uns 200 para fazer o tal cordão de isolamento ainda vai, mas por que mais de quatro policiais por aluno? Como eu escrevi, um número menor de policiais conseguiria, provavelmente cumprir a ordem. Porém, o número mais elevado de policiais garante a segurança dos detidos. “O quê?! Como assim?!”. Pois é, a questão é que é muito mais fácil dominar sem ferir uma pessoa hostil em um grande número que no one on one. Isso sem falar no fato de que a PM simplesmente não sabia qual reação esperar dos invasores, o que foi comprovado com a apreensão de coquetéis Molotov na posse dos detidos. Talvez por isso, se a polícia utilizasse um número menor de agentes, um ou outro estudante sairia de nariz quebrado, supercílio aberto ou pior. Seria a imagem que os extremistas iriam adorar para criar um mártir das esquerdas, mas a PM, para a qual eu tenho milhões de críticas, nesse caso agiu de maneira correta do começo ao fim da celeuma.

Mais uma demonstração dessa galera amante da paz e da democracia.

     Como eu asseverei no começo do texto, não pretendi esgotar o tema, apenas trazer algumas impressões. Poderia ficar debatendo o assunto por horas e poderia comentar muito mais sobre como o movimento, que diz lutar pela democracia, foi, ab ovo usque ad mala, autoritário, dando golpes em assembléias e cancelando as eleições dos DCE. Por fim, penso que o assunto já deve estar até cansando a maioria das pessoas, mas eu não poderia deixar passar sem escrever pelo menos algumas linhas sobre o assunto.   


Links de textos que usei de referência e que merecem ser lidos:






































terça-feira, 15 de novembro de 2011

A noite mais densa

As Universidades Públicas brasileiras estão tomadas por uma unanimidade ideológica, evidentemente de esquerda. Disso todo mundo sabe, não existe segredo, especialmente nos departamentos de “ciências” humanas. Isso leva a um ciclo vicioso de lavagem cerebral doutrinária nos alunos que serão os futuros professores do ensino médio e superior do país, que vão, então, doutrinar outros alunos a pensar que a direita é o mal, a esquerda, o bem, só a revolução armada resolve, a Veja é uma revista golpista vendida aos interesses da CIA, os Estados Unidos são o grande satã e o Diogo Mainardi é feio e tem cara de melão.

A única HQ que bomba na UEL.

Até aí, nada que alguém que estudou ou que pelo menos freqüentou aulas no Brasil não saiba. O problema é que, ultimamente, os esquerdistas-intelectuais das Universidades públicas têm ficado mais despudorados com relação à doutrinação juvenil.  A prova disso é o último vestibular da Universidade Estadual de Londrina, a UEL. O exame da primeira fase teve a questão mais estapafúrdia que eu vi na minha vida. Descobri essa beleza através do blog do tio Rei, que citava como fonte a Gazeta do Povo. De fato, entrei no site da UEL, abri a prova do vestibular 2012 e lá estava a monstruosidade. Para aqueles de vocês que não leram, segue abaixo:

“O Super-Homem ganha poderes pelos efeitos dos raios solares, mas tem uma fraqueza: o minério criptonita. O Homem-Aranha adquire habilidades depois da picada de um aracnídeo. O Quarteto-Fantástico nasce dos efeitos de uma tempestade cósmica. Uma um, os elementos da natureza tornam-se importantes para o nascimento de vários super-heróis. Porém, mais do que superpoderosos, esses heróis de Histórias em Quadrinhos (HQ) também “escondem um segredo”:

I. Reforçam a ideologia de uma nação soberana, a estadunidense, protegida dos inimigos, o que a credenciaria como mantenedora da liberdade mundial.

II. Veiculam subliminarmente a crença da supremacia dos brancos, enquanto suposta raça mais forte e inteligente face aos demais grupos étnicos do planeta.

III. Defendem a ideologia da igualdade necessária entre as classes, sem a qual o mundo não poderia viver em paz e em harmonia.

IV. Reconhecem que os verdadeiros super-heróis não precisam de superpoderes, desde que sejam pessoas boas e altruístas.

Assinale a alternativa correta.

a) Somente as afirmativas I e II são corretas.

b) Somente as afirmativas I e III são corretas.

c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.

d) Somente as afirmativas I, II e IV são corretas.

e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.”

"Tou aqui pra te oprimir!"

        Vocês, é claro, já devem ter imaginado que a resposta dessa ótima questão é a letra a, senão, seguramente eu não estaria dedicando mais que meia dúzia de palavras à prova. Os leitores, certamente, já estão tão indignados quanto eu com tal absurdo. Não que qualquer alternativa esteja correta, mas eles decidiram que a “correta” seria a mais injustificável de todas.

           Na matéria da Gazeta, foi entrevistada a professora responsável pelo COPS (Coordenadoria de processos seletivos) da UEL, órgão responsável pelo vestibular, que afirmou (demonstrando estar muitíssimo informada sobre o assunto) que a questão foi elaborada “com base em conceitos da disciplina de sociologia, mas ela não soube apontar quais deles”. Além disso, ainda deixou claro que, embora exista uma ideologia por trás da prova, os professores “não podem ser irresponsáveis a ponto de fazer uma questão que só agrade a eles”. E foi exatamente isso que eles não fizeram. A questão da prova, seguindo uma “ideologia”, não agradou somente aos elaboradores. Agradou toda a companheirada da universidade que adorou a maneira astuta com que os redatores deixaram claro o que acham do “lixo cultural ianque”.

Mais adiante, o professor Ariovaldo Santos, do departamento de Ciências Sociais da UEL, que não participou da elaboração da prova, defende o colega que redigiu a pérola: “disse que dois conceitos podem ser trabalhados na questão: o da indústria cultural e dos mecanismos ideológicos de dominação. 'Seguramente faz parte da grade curricular dos alunos', garantiu.”

          Antes de me ater à questão propriamente dita, cabem alguns esclarecimentos que eu, como um bom nerd fã de quadrinhos não poderia deixar de fazer.

As Histórias em Quadrinho, supremacia branca e o imperialismo estadunidense

 Para começo de conversa, eu sou partidário da velha máxima do Oscar Wilde no prefácio d’O retrato de Dorian Gray, “Toda Arte é ao mesmo tempo superfície e símbolo. Aqueles que procuram ver por baixo da superfície, fazem-no por conta e risco. O mesmo acontece aos que tentam penetrar o símbolo. É o espectador e não a vida que a Arte realmente reflete”. Ou seja, cada vê em uma obra, seja um livro, seja um filme ou, até mesmo, um quadrinho, o que bem quiser ver.
Todavia, apesar de a visão de que as HQs contêm um viés imperialista e racista ser possível de acordo com o nosso amigo irlandês, ela não é, nem de longe, a mais adequada. Quem fez a prova da UEL certamente não entende nada de quadrinhos. É realmente surpreendente que eles tenham acertado, de maneira simplória, a origem de cada super-herói.
A distorção bizarra da UEL poderia ser facilmente corrigida se eles se preocupassem em conhecer um pouco mais sobre o tema além da leitura que fizeram na Wikipédia em Simple English. O que eu quero dizer é que, se eles tivessem se dignado a ler um quadrinho, um mísero quadrinho que fosse, ou mesmo visto um dos (péssimos) filmes dos X-Men, certamente a abordagem teria sido diferente. A verdade é que qualquer idiota semi-alfabetizado que tenha visto, vá lá, o desenho dos X-Men quando era criança, consegue encontrar semelhanças entre o movimento dos direitos civis dos negros nos EUA e o, como posso chamar?, Movimento dos direitos civis dos mutantes nos EUA. Está tudo lá: os moderados do Martin Luther King, representados pelos mutantes da academia X e pelo professor Xavier e os radicais do Malcolm X (opa, seria referência?) pelo grupo do Magneto, só para não ir mais fundo na estória. E sabe quem são os bonzinhos? Os mutantes, o grupo oprimido! Algo que só não deixaria Gramsci orgulhoso porque eles não pretendem chacinar todos os não mutantes e tomar o poder formando a ditadura dos geneticamente modificados. Bom, talvez Gramsci fosse mais fã do estilo do Magneto.

"Nem vem UEL, sou belga!"

      Isso se ficarmos no exemplo mais alegórico. Se quisermos ser explícitos e derrubar de vez a tese mirabolante de que os quadrinhos “veiculam subliminarmente a crença da supremacia dos brancos, enquanto suposta raça mais forte e inteligente face aos demais grupos étnicos do planeta”, posso citar (de cabeça) alguns, pasmem!, super-heróis negros: Tempestade (que além de negra, é mulher, filha de uma africana e liderou os X-Men), Pantera Negra (governante de um país africano utópico, muito mais desenvolvido que os EUA), Blade, John Stewart (o segundo Lanterna Verde), Luke Cage e Nick Fury (na versão Ultimate).

         Agora, eu até consigo sentir algum esquerdopata pensando: “É, mas note que você só citou personagens secundários. Os principais são todos brancos!”. Eu tinha previsto isso e, é claro, guardei uma carta na manga (apesar de que dizer que o Blade e o Lanterna Verde são personagens secundários é uma imbecilidade). O fato é que a nossa querida Marvel Comics anunciou que o próximo Homem Aranha do universo Ultimate será nada menos que um garoto negro, filho de imigrantes latinos que tem de, além de lutar contra o crime, enfrentar o bullying e o preconceito. Isso que é veicular subliminarmente a crença da supremacia branca, hein? Simplesmente o maior e mais lucrativo herói da maior e mais lucrativa companhia de quadrinhos (me desculpem DC fags) não é branco e é filho de imigrantes latinos. Racismo puro!

       Ainda assim, até mesmo alguns daqueles que acharam ridícula a tese de que as HQ’s são racistas devem estar pensando que, de fato, as revistas têm certo viés imperialista americano (ou estadunidense, se você faz parte de algum DCE). Pois eu digo que você não poderia estar mais enganado. Nos últimos anos, pode-se notar nas principais editoras um tom ácido para com o governo dos EUA, que eles tratam, no máximo, como um paquiderme bem intencionado, mas idiota. Vide a já citada série dos X-Men, além da Guerra Civil da Marvel, em que metade dos heróis daquele universo rebela-se contra uma lei votada pelo Congresso americano e sancionada pelo Comandante-em-chefe em pessoa (incluindo, adivinhem quem? O Capitão América!). Sem contar ainda os trechos de Watchmen em que o Alan Moore critica abertamente vários aspectos da cultura e da política dos ianques. Aliás, todo mundo sabe que V de Vingança é uma revista em quadrinhos, certo?

       Eu poderia ir adiante citando mais exemplos dos próprios quadrinhos que desautorizam a interpretação dos elaboradores da prova. Porém, imagina-se que, se hoje em dia os quadrinhos não são como a prova da UEL os pinta, eles assim o foram. Quando esse tipo de narrativa iniciou-se na década de 30, na chamada Era de Ouro dos Quadrinhos, não havia super-herói negro e o american way of life era o valor supremo das revistas. Agora, pensemos: anos 30! O que mais você poderia esperar, na década de 30, de um produto que era destinado exclusivamente para crianças? Discussões profundas sobre a condição humana? Alguma vez você já se perguntou o porquê de ninguém mais ler revistinhas dos anos 30? Se vocês querem implicar com imperialismo, peguem no pé do Tintin ou, se o problema for racismo, vão atrás do Monteiro Lobato.

       E, claro, alguém vai citar a participação, nos anos 40, dos heróis dos quadrinhos no esforço de guerra. Eu não tenho nada contra isso. Ou alguém acha que foi um tratamento injusto dado aos nazistas o fato de o Capitão América dar uns sopapos no Hitler? Eu, particularmente, pagaria (e caro), por uma série em que o Capitão distribuísse pancadas em Hitler, Mussolini, Stalin, Fidel, Mao, Che, Pol Pot e Ho Chi Min.

Exemplo da opressão de outros povos pela cultura estadunidense.

Indústria Cultural e Ideologia

       Enquanto estava no processo de elaboração desse texto, saíram as questões comentadas da UEL. Eu ri.  Ao justificar a absurda resposta, a UEL vem com o discursinho esperado: o tema abordado foi indústria cultural, ideologia, cultura de massa etc. Sempre com o embasamento teórico daquele velho pessoal conhecido de todo mundo que já cursou uma faculdade de humanas e teve um professor, invariavelmente esquerdista, de sociologia. Horkheimer, Adorno e a patotinha da Escola de Frankfurt (Santo Clichê, Batman!). Mas eles foram mais longe! Quando divulguei esse exemplo da educação brasileira no Twitter, a minha amiga Bárbara Magalhães (@babspider) disse, “Só faltava "Para ler o Pato Donald" ser leitura obrigatória”. E adivinhem qual obra os doutores da UEL usaram na justificativa da questão? “Para ler o Pato Donald”! Na prova toda não houve uma questão sobre Weber ou sobre Émile Durkheim. Duas sobre Adorno e Horkheimer. E, claro, “Para ler o Pato Donald”! Pelo menos cobraram alguma coisa sobre Aristóteles e Francis Bacon.

       Para quem não conhece, “Para ler o Pato Donald” é a versão esquerdista da “Sedução dos inocentes”. Nesta, o autor acusa as revistinhas de subverter a juventude americana, levando-a ao sexo (homossexual, é claro), às drogas e ao rock’n’roll; naquela, o autor acusa os quadrinhos (da Disney, não da Marvel ou da DC, notem) de promoverem o chamado imperialismo cultural, repassando valores capitalistas, liberais, blá, blá, blá. Ou seja, os quadrinhos têm a mágica de serem “de esquerda” para os Macarthistas e “porcos neoliberais imperialistas de direita” para a esquerda frankfurtiana. Para mim, os autores de ambos os livros deveriam parar de procurar pêlo em ovo, mas tudo bem.

         A justificativa, então, da afirmação de número I é, portanto, o fato de o pessoal da escola da Frankfurt achar que “não existe pensamento inocente no espaço social”. Eu sou bonzinho e até consigo aceitar isso. Imagino mesmo que o Adorno concordaria com a afirmativa I. O problema é que o enunciado da questão não deixa claro que se está cobrando a interpretação de algum pensador sobre o tema. E se isso não fica claro, presume-se que o que se quer é a interpretação do aluno ou o que é verdade. Em nenhum momento do texto eles dizem “segundo o pensamento da Escola da Frankfurt” ou “segundo os seus conhecimentos sobre a indústria cultural e o pensamento do filósofo alemão Theodor Adorno analise as afirmativas abaixo”. Nada. Se o enunciado (mal escrito) não deixa claro o que quer, o aluno pode responder o que bem entende.

          A afirmativa II, nem com um enunciado bem escrito se salvava. Primeiro porque o próprio examinador cita o Homem-aranha negro, mostrando que ele mesmo sabe que a questão é furada. Ele, é claro, tenta se justificar dizendo que foi um avanço (como se esse fosse o primeiro personagem negro da história dos quadrinhos), mas a sociedade americana ainda é muito racista e mostrando que se aqueles super-heróis que foram citados no enunciado eram brancos, portanto, todo o universo dos quadrinhos é racista. Entenderam a lógica? Eu também não. Quer dizer que se eu fizesse um texto em que eu colocasse o Deadpool, o Wolverine e o Northstar na questão eu poderia afirmar que as HQs veiculam subliminarmente a crença na supremacia dos canadenses? É isso mesmo, produção?

        A minha justificativa preferida é a da afirmativa III, em que o autor, em tom quase lamentoso, justifica que ela está errada porque “não há entre os super-heróis citados, nenhum que levante a bandeira da luta de classes ou de superação da sociedade capitalista, entre outros princípios que pudessem referendar a defesa da emancipação humana”.  Ou seja, reforçar subliminarmente a ideologia liberal (no linguajar deles) não pode. Reforçar subliminarmente a ideologia comuna, não só pode, como deve, porque, afinal de contas, são princípios que referendam “a defesa da emancipação humana”. Defendem a emancipação humana, lógico, na opinão de quem fez a questão, é claro. Nunca vi um Gulag soviético emancipar ninguém. Mas, como quem faz a prova são eles, eles podem colocar as opiniões deles e que se lixe quem pensar o contrário.

"Vim emancipar vocês, companheiros!"

       Já a última afirmativa está errada, segundo a UEL, porque, afinal de contas, o que torna os Super especiais é o fato de eles terem habilidades sobre humanas e não o fato de eles serem pessoas boas e altruístas. Aham, tá bom então, vai dizer isso pro Batman. Mais uma vez eles demonstram ignorância abissal com relação às HQs: o enredo mais manjado de todos é aquele em que o herói perde seu poder e só se recupera porque ele é uma pessoa boa, altruísta, inteligente, talentosa, capaz, enfim, um herói antes de super. Aliás, como é mesmo escolhido o portador do anel no Green Lantern Corps? Ah, é! Os Lanternas são escolhidos pela sua força de vontade, coragem e bondade. Ou seja, justificaram errado de novo.

     O pessoal da UEL, como eu disse antes, deveria ler mais quadrinhos antes de fazer uma questão sobre quadrinhos. Antes de tudo, eles deveriam, é claro, guardar para si o que eles acham e cobrar os conteúdos objetivamente. Mais ainda: eles deveriam tentar deixar claro nos enunciados o que eles estão tentando cobrar do aluno. Talvez eles devessem ler mais quadrinhos não só para fazer questões corretas sobre HQs, mas para aprender uma lição importante: com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades. 


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